terça-feira, 23 de janeiro de 2007

MURMÚRIOS DE LISBOA XVIII

Três Anjos
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Anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian
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Bob Dylan apanha um autocarro diferente do meu. Já é a terceira ou quarta vez que o vejo. Provavelmente anda incógnito ou fugido do FBI (consta, num daqueles livros sobre teorias da conspiração, que os serviços secretos tiveram a sua cabeça a prémio em conturbados tempos idos).
Mas eu topei-o logo. Aquele arzinho lingrinhas e desmazelado, aqueles olhos de carneiro mal morto de quem não parte um prato não enganam ninguém. Muito menos as calçinhas curtas tão fora de moda, os sapatinhos desconjuntados e os caracóis grisalhos e imundos.
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Não posso com o Bob Dylan. Eu sei que é um sacrilégio dizer isto, mas que querem? Detesto a voz dele. E uma voz para mim pode ser a perdição de um ídolo (nem queiram saber, aqui há uns tempos apanhei uma desilusão tremenda quando ouvi o Russell Crowe rir-se no programa do Jay Leno; como é possível que o meu gladiador de voz linda e máscula tenha o riso mais estúpido do mundo, expliquem-me!?).
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A voz de Bob Dylan é fanhosa, pronto. Irrita-me. E além do mais a culpa é dos meus pais, que não eram revolucionários. Eram mais Beatles, aos pulinhos, estão a ver? (só mais tarde é que descobri os Rolling Stones, porque lá em casa não se ouviam "párias" da sociedade).
Bob Dylan pode ter sido o poeta dos tempos que estão a mudar, mas quando abre a boquinha não o consigo ouvir. Faz-me lembrar aquele declamador chamado não sei quantos Fanha (se ele por acaso ler isto, gostava de lhe dizer, Fanha (vejam bem que se o nome dele tivesse sido inventado, ninguém acreditava ...), amigo, poeta, palhaço, alguém já te devia ter dito há muitos anos que em vez de declamares Pessoa devias era estar a declamar as instruções do Nasex).
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Bom, mas voltando ao Bob. Hoje tinha um jornal na mão e quando se sentou no autocarro ficou embebido na leitura das últimas notícias do país e do mundo (estou a plagiar propositadamente o Rodrigo Guedes de Carvalho, da SIC). Tenho a certeza que estava a inspirar-se para mais uma canção de intervenção.
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Entretanto o puto sentou-se à minha frente. Era giro e de cada vez que virava a cabeça de um lado para o outro para fingir que via a mesma vista pela milionésima vez, olhava para mim com olhos cor de lago profundo. Não sei o que se passa comigo, sinceramente. Não me lembro de jamais ter despertado hormonas de vinte e tal anos como agora. Deve ser a maturidade dos trintas a manifestar-se ...
O puto estava a ouvir música nos auriculares, mas de certeza que não era o Bob Dylan.
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Depois entrou o indiano. Eu juro que nunca tinha visto um indiano tão bem parecido e nem sequer fazem o meu género. Tinha os seus trinta e tal anos e nem sequer olhou para mim (estão a ver o paradoxo da coisa, não estão?...). Vinha acompanhado por um senhor bastante mais velho e sentaram-se precisamente atrás do puto. E pronto, foi aí que tudo descambou.
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Eu estava a tentar concentrar-me no Bob Dylan, que tinha desaparecido no outro autocarro, ao mesmo tempo que procurava observar a fisionomia do indiano inglês, sem que o puto julgasse que eu estava a olhar para ele. O indiano era uma gralha e não se calava, despertando-me ainda mais a curiosidade porque adoro aquele sotaque britânico indiano que o meu tio imita tão bem. Mas o puto, que estava precisamente na diagonal do outro, achou que eu estava a corresponder-lhe e entusiasmou-se, certamente com a ajuda da música que estava a ouvir e que de certeza que não era Bob Dylan.
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Entretanto, o vagabundo que se sentara ao lado do puto perguntou-lhe onde era não sei o quê e nessa altura o puto, entretido com a música e comigo, deu um pulo na cadeira de tal ordem que foi precisamente aí que eu perdi o Bob Dylan. É que deu-me um ataque de riso daqueles histéricos, que nem queiram saber.
Ainda por cima, o vagabundo era daqueles tipinhos hiper delicados, cheios de boas maneiras, mas com olhos de lunático, não sei se estão a ver o género. Uma pessoa olha para eles e está sempre à espera que lhes dê um ataque repentino de qualquer espécie, se respirarmos da forma errada. O puto deve ter pensado exactamente o mesmo que eu, porque se dispôs de imediato a explicar-lhe tudo muito bem explicadinho.
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E entretanto, com estas distracções todas, fiquei sem saber o que queria dizer sobre o Bob Dylan ...
Apenas um pensamento se me ocorre neste momento: será que o Bob Dylan americano já escreveu alguma canção sobre este Bob Dylan, ou sobre o indiano, ou sobre o puto, ou sobre o vagabundo lunático, ou sobre mim?
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Descobri esta:
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Three Angels
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Three angels up above the street,
Each one playing a horn,
Dressed in green robes with wings that stick out,
They've been there since Christmas morn.
The wildest cat from Montana passes by in a flash,
Then a lady in a bright orange dress,
One U-Haul trailer, a truck with no wheels,
The Tenth Avenue bus going west.
The dogs and pigeons fly up and they flutter around,
A man with a badge skips by,
Three fellas crawlin' on their way back to work,
Nobody stops to ask why.
The bakery truck stops outside of that fence
Where the angels stand high on their poles,
The driver peeks out, trying to find one face
In this concrete world full of souls.
The angels play on their horns all day,
The whole earth in progression seems to pass by.
But does anyone hear the music they play,
Does anyone even try?
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Eu tento ...
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E Bob, desculpa lá, os teus poemas sim, cantados por ti é que não ...

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