Capítulo 5. CORRESTE POR MINHA CASA DE MADEIRA
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Soube que tinha conquistado uma preciosa etapa quando o fez sorrir uma tarde, um sorriso sonoro e autêntico, que lhe escancarou a expressão habitualmente fechada e impenetrável. E aquele sorriso foi como um verdadeiro raio de sol que inundou a penumbra da biblioteca e o seu coração e a encheu de um orgulho e uma alegria avassaladores.
De vez em quando, John dava-lhe conselhos:
"Mais lento, aprenda a controlar a voz. Respire. Não se esqueça de respirar." ou "Mais rápido. Daqui a nada estou a dormir. Contratei uma leitora ou um sudoríparo ambulante?"
"Use a versatilidade da sua voz. Explore-a. Faça-a fazer coisas que acha que não consegue."
Os comentários eram subtilmente elogiosos e Emily correspondia com satisfação. Habituava-se também ao seu sarcasmo, que descobriu traduzir um sentido de humor muito particular.
Por vezes, fechava os olhos e seguia o conselho dele. Tentava andar pela casa, tomar banho, arranjar-se de manhã às escuras.
Não gostava do escuro. Como seria se fosse subitamente forçada a viver o resto da sua vida na escuridão absoluta? Era um pensamento inconcebível para ela, claro. Mas como seria se atravessasse um dia a rua e fosse atropelada e acordasse no outro dia no hospital num abismo impenetrável?
Um dia Amanda apanhou-a a escrever no teclado de olhos fechados.
"Emily …"
Saltou na cadeira.
"Sentes-te bem?"
"Sim …"
Amanda afastou-se no seu passinho de gueixa inchada e Emily não conteve um sorriso de menina apanhada com um caramelo na boca.
Que estupidez. O que é que andas a fazer, Emily?
A tentar percebê-lo …
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" À noite toquei-te e senti-te
sem que a minha mão fugisse para lá de minha mão,
sem que meu corpo fugisse, ou meus ouvidos:
de um modo quase humano
senti-te.
çdlºçld
A pulsar,
Não sei se como sangue ou como nuvem
Errante,
Em minha casa, na ponta dos pés, escuridão que sobe,
Escuridão que desce, cintilante, correste.
çlkçd
Correste por minha casa de madeira,
E abriste as janelas,
E senti pulsar a noite toda,
Filha dos abismos, silenciosa,
Guerreira tão terrível e tão bela,
Que tudo quanto existe,
Sem tua chama, não existiria para mim." (26)
lkçld
John revelara-se uma espécie de curso de voz. Ao fim de um mês podia afirmar que se sentia bem na sua companhia, apesar de, ou se calhar por isso mesmo, terem trocado pouco mais que as saudações diárias que as regras da boa educação ditavam. Esta convivência cordial mas fria deixava-a muito mais segura do que se ele tivesse querido alargar as leituras a uma conversa de circunstância vazia, e que apenas teria servido para a deixar incomodada. Desta forma, limitava-se a ler o que lhe era indicado, reler certas passagens que por vezes ele lhe pedia para repetir e ouvir as suas correcções atentamente, tentando alterar o tom da voz, a entoação, a respiração e outros pormenores sugeridos.
Sentia que fizera progressos, mas também sabia que só conseguiria ler como lia na sua presença. Era como se ele fosse o guardião da sua voz.
E um dia surpreendeu-a.
"Vou-lhe mostrar uma coisa."
De vez em quando, John dava-lhe conselhos:
"Mais lento, aprenda a controlar a voz. Respire. Não se esqueça de respirar." ou "Mais rápido. Daqui a nada estou a dormir. Contratei uma leitora ou um sudoríparo ambulante?"
"Use a versatilidade da sua voz. Explore-a. Faça-a fazer coisas que acha que não consegue."
Os comentários eram subtilmente elogiosos e Emily correspondia com satisfação. Habituava-se também ao seu sarcasmo, que descobriu traduzir um sentido de humor muito particular.
Por vezes, fechava os olhos e seguia o conselho dele. Tentava andar pela casa, tomar banho, arranjar-se de manhã às escuras.
Não gostava do escuro. Como seria se fosse subitamente forçada a viver o resto da sua vida na escuridão absoluta? Era um pensamento inconcebível para ela, claro. Mas como seria se atravessasse um dia a rua e fosse atropelada e acordasse no outro dia no hospital num abismo impenetrável?
Um dia Amanda apanhou-a a escrever no teclado de olhos fechados.
"Emily …"
Saltou na cadeira.
"Sentes-te bem?"
"Sim …"
Amanda afastou-se no seu passinho de gueixa inchada e Emily não conteve um sorriso de menina apanhada com um caramelo na boca.
Que estupidez. O que é que andas a fazer, Emily?
A tentar percebê-lo …
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" À noite toquei-te e senti-te
sem que a minha mão fugisse para lá de minha mão,
sem que meu corpo fugisse, ou meus ouvidos:
de um modo quase humano
senti-te.
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A pulsar,
Não sei se como sangue ou como nuvem
Errante,
Em minha casa, na ponta dos pés, escuridão que sobe,
Escuridão que desce, cintilante, correste.
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Correste por minha casa de madeira,
E abriste as janelas,
E senti pulsar a noite toda,
Filha dos abismos, silenciosa,
Guerreira tão terrível e tão bela,
Que tudo quanto existe,
Sem tua chama, não existiria para mim." (26)
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John revelara-se uma espécie de curso de voz. Ao fim de um mês podia afirmar que se sentia bem na sua companhia, apesar de, ou se calhar por isso mesmo, terem trocado pouco mais que as saudações diárias que as regras da boa educação ditavam. Esta convivência cordial mas fria deixava-a muito mais segura do que se ele tivesse querido alargar as leituras a uma conversa de circunstância vazia, e que apenas teria servido para a deixar incomodada. Desta forma, limitava-se a ler o que lhe era indicado, reler certas passagens que por vezes ele lhe pedia para repetir e ouvir as suas correcções atentamente, tentando alterar o tom da voz, a entoação, a respiração e outros pormenores sugeridos.
Sentia que fizera progressos, mas também sabia que só conseguiria ler como lia na sua presença. Era como se ele fosse o guardião da sua voz.
E um dia surpreendeu-a.
"Vou-lhe mostrar uma coisa."
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(26) Escuridão Formosa - Gonzalo Rojas
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