sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

EM MINHA CASA, NA PONTA DOS PÉS 21 (cont.)

Capítulo 6. AND ON MY LEANING SHOULDER SHE LAID HER SNOW-WHITE HAND
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Baixou os olhos, mesmo sabendo que ele estava impedido de lhe ver o rubor nas faces.
“Eu …”
“Emily … você nunca poderá ser uma boa leitora ou o que quer que seja, se se limitar a cumprir aquilo que lhe é pedido. Tem que ir mais além disso. Treina em casa? Leva os livros e treina?”
“Não … não sabia que os podia levar …”
“A partir de hoje considere-se livre de poder levar os livros que lhe apetecer daqui, desde que os traga de volta, evidentemente. Não preciso de a avisar que se tentar ficar com algum deles, eu saberei e tomarei as devidas providências.”
Sentiu-se escandalizada com aquela atitude de desconfiança e estava prestes a responder-lhe, quando ele acrescentou:
“Você faria o mesmo, se não me conhecesse de lado nenhum. Não faça essa cara de escandalizada.”
E depois um sorriso abriu-se no seu rosto.
“Mas como é que faz isso? …”
“Tenho um terceiro olho e não é o que está atrás das costas.”
Emily soltou uma gargalhada.
“Não tente fugir ao assunto.”
Continuou a rir, enquanto respondia:
“Não estou a fugir a nada, senhor professor …”
Ele sorriu imperceptivelmente e continuou:
“A partir de hoje vai ter duas tarefas por dia para fazer. Trabalhos de casa. Suponho que tem acesso à Internet ou, pelo menos, a uma biblioteca …”
“Trabalho numa biblioteca.”, interrogou-se se ele não teria lido o curriculum que entregara a Clara.
“Ah sim, claro. A Clara leu-me o seu CV, mas não fixei esses pormenores. Bom, então óptimo. A primeira tarefa é simples – vai treinar em casa, aliás como suponho que já fazia antes de ler para mim. Leva o livro que estiver a ler e lê as passagens que me irá ler no dia seguinte, para se familiarizar com o texto. Essa é a primeira regra de qualquer leitor. Familiaridade com o texto e repetição exaustiva. Não faz sentido nenhum estar a ler-me coisas à minha frente pela primeira vez.”
Ele tinha razão, claro. E a sua falta de argúcia para tê-lo percebido sem precisar de qualquer admoestação, fora imperdoável e um sinal francamente embaraçoso de amadorismo e preguiça.
Mas Emily era apenas uma provinciana acabada de chegar à cidade e os seus estudos limitavam-se ao liceu, apesar de a sua inteligência e aspirações serem superiores às da típica campónia que apenas pretende um bom ordenado e uma boa colocação, num qualquer trabalho de escritório onde não tenha que pensar muito.
“De nada lhe serve ter o dom que tem, se os seus neurónios não o acompanharem, percebe? É como um músico virtuoso aprender a tocar uma determinada peça de piano e não querer saber sequer o que o compositor queria transmitir com ela. Para além de demonstrar ignorância e mesquinhez, é uma profunda falta de respeito para com o autor que a criou e que enriqueceu a sua vida com essa obra de arte.”
Continuou calada e começou a sentir-se cada vez mais pequena na sua cadeira. Wolf mirava-a do seu posto aos seus pés e começou a ganir.
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“Olha que sensação tão estranha! – admirou-se Alice – Devo estar a encolher como um telescópio!” (33)
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“A segunda tarefa é um pouco mais complicada, mas uma rapariga inteligente como você deverá encará-la como um desafio interessante. Vai realizar uma pesquisa sobre as obras que temos lido, os seus autores e a sua restante obra e vai-me trazer as dúvidas que tem. Conversaremos sobre essa pesquisa um pouco todos os dias. O que acha?”
Surpreendeu-se por ele lhe pedir opinião sobre uma ordem.
“Emily, isto não faz parte das suas funções como leitora. É livre de recusar, se assim o desejar. Apenas penso que é importantíssimo para a sua progressão, para além de que também irá contribuir para alargar os seus horizontes intelectuais. Você precisa de sair dessa concha onde vive.”
Corou de novo. Mas que raio … mas como é que ele conseguia …
John não lhe deu tempo para formular qualquer pergunta em voz alta:
“A entoação da sua voz … a sua respiração … as palavras que usa no seu discurso … a forma como constrói as suas ideias … tudo isso são indícios para mim. Não sou nenhum mágico, Emily. Sou uma pessoa vivida, apenas isso.”, claro que nunca lhe diria, mas pensou que o comportamento de Wolf por vezes também o ajudava bastante a perceber as reacções que ela ia tendo às suas palavras.
“Portanto, a primeira tarefa será descobrir o que é que o sacana do Joyce quis fazer quando escreveu o Finnegans Wake. Combinado?”
“Sim.”, pensou que o tom da resposta provavelmente não fora muito entusiástico, apesar de ter sentido um formigueiro agradável quando ele mencionara a palavra “tarefa”.
“Muito bem. Acabamos por hoje. E não se esqueça de levar o Kafka e lê-lo em casa.”
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(33) As Aventuras de Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll

2 comentários:

Dry-Martini disse...

Como ficou tão triste vou confessar-lhe. Estou à espera que acabe a sua história para a ler de uma assentada. Veja lá se se despacha .) A minha curiosidade não gosta de suspense. :)

Andrómeda disse...

Vai ter que esperar sentadinho ... ainda vai em metade :)